
A ideia de uma “grande saúde”, do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, contrapõe-se ao niilismo, propondo como vontade de saúde a capacidade de transmutar maus encontros em estímulos à vida, a fim de nos tornarmos quem somos (Nietzsche, 2003). Em consonância, Baruch Spinoza , filósofo holandês de origem judaica, dirá que essa transmutação consiste, entre outras coisas, em deixar-se afetar pelas intensidades que potencializam nossa vitalidade, em detrimento dos afetos tristes, que rebaixam a vida, que tolhem nossa capacidade de criar cada vez mais vida (Spinoza, 2007). Para Spinoza, mais do que “carinho” ou “afeição”, afeto é o resultado do que nos marca na interação com o ambiente (Martins,). Assim, segundo esses filósofos da imanência, “o conhecimento é o mais potente dos afetos”, mas não o conhecimento escolástico, cartesiano, e sim o conhecimento da realidade dos afetos, daquilo que nos rebaixa ou dignifica (Nietzsche, 2017). Para esses autores, o pensamento, a filosofia, tem como finalidade principal possibilitar que vivamos melhor. A essa tendência Deleuze chamou de “filosofia prática” – expressão que deu nome a seu livro a respeito da obra de Spinoza.
O pensador ameríndio Aílton Krenak, quando interpelado a respeito dos riscos que a humanidade estaria correndo com as drásticas mudanças climáticas, típicas do antropoceno, responde que os povos originários sobreviverão como vem sobrevivendo há séculos ao “eterno retorno do encontro” colonial (Krenak, 1999). Para Krenak, são os não-indígenas que sucumbirão às catástrofes decorrentes de um modo de viver acumulador, produtivista, espoliador das potências de vida possíveis. Isso porque esse modo de vida não traz consigo os meios de sobrevivência a si mesmo, sendo "uma maneira de homogeneizar e tirar nossa alegria de estar vivos" (Krenak, 2019). A essa perspectiva da vida como algo que sempre persevera, no intuito de manter sua natureza, ressoa mutuamente na filosofia prática dos filósofos da imanência supracitado e nos modos de pensar e viver de povos ameríndios. A “grande saúde dos povos” mostra-se, por exemplo na frase de um professor Mbyá-guarani, do sul do Rio Grande do Sul: “Os índios morrem pouco, quase não morre índio. Os brancos, sim, branco morre toda hora”, mencionada quando de uma ação de extensão conjunta entre o grupo Kombit-Mutirão por moradia (UFRGS) e o Centro de Referência Indígena do Rio Grande do Sul, na aldeia Ka'a Mirindy.
Esse projeto de extensão visa promover ações que coloquem em ressonância a grande saúde dos povos de indígenas e quilombolas estudantes da UNIPAMPA - Campus Uruguaiana e aquela de povos e comunidades indígenas e quilombolas da região de abrangência do referido campus universitário. Como se ampara nos princípios da educação intercultural, este projeto também visa promover atividades de leitura e discussão de obras bibliográficas que possam trazer ressonâncias entre saberes das tradições acadêmicas e saberes de tradições comunitárias e originárias.
KRENAK, Aílton. O eterno retorno do encontro. In: NOVAES, Adauto (Org.). A outra margem do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1999
KRENAK, Aílton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019
MARTINS, André. Os afetos em Espinosa e Winnicott. Café Filosófico CPFL, 2005.
NIETZSCHE, Friedrich. Carta de Nietzsche a Overbeck de 1881, na qual se refere a Spinoza como seu único precursor. Tradução de André Martins. Revista Trágica: estudos de filosofia da imanência, Rio de Janeiro, v.10 nº 2, p. 119-121, 2017
NIETZSCHE, Friedrich. Ecce Homo: de como a gente se torna o que a gente é. Porto Alegre: L&PM, 2003.
SPINOZA, Baruch. Ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2007
Equipe executora:
Alessandro Falcao Soares
Alice de Oliveira Martins
Alicia de Oliveira Nascimento
Denival Manoel Antonio
Eva Otacilia Alves Brum
Fabiani de Franco Alves
Fernando Saldanha
Gisele Viana Arantes
Ivete Darfais
José Darci Barros Gonçalves
Liamara Denise Ubessi
Marcio Katánh Manoel Antonio
Maria Alexsandra do Nascimento Silva
Maria Carolina Goncalves
Maria Fernanda Alves Feitosa Diniz
Marilia Floor Kosby
Michele de Carvalho dos Santos Borba
Rayce da Silva Camico
Rosivaldo Rodrigues Teles
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